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Críticas

Rubel

: "Casas"

Ano: 2018

Selo: Dorileo / Natura Musical

Gênero: Indie, Samba, MPB

Para quem gosta de: Marcelo Camelo, Cícero e Castello Branco

Ouça: Mantra, Pinguim e Partilhar

9.0
9.0

Resenha: “Casas”, Rubel

Ano: 2018

Selo: Dorileo / Natura Musical

Gênero: Indie, Samba, MPB

Para quem gosta de: Marcelo Camelo, Cícero e Castello Branco

Ouça: Mantra, Pinguim e Partilhar

/ Por: Cleber Facchi 06/03/2018

Você já teve a vontade de morar dentro de um disco? Se cobrir de palavras em uma cama de melodias quentes, sentimentos trabalhados como alicerces e versos sussurrados que se entrelaçam em meio a móveis, cores e cômodos do mais rígido concreto? Propositado ou não, é exatamente isso que o cantor e compositor carioca Rubel Brisolla busca desenvolver no fino acolhimento de Casas (2018, Dorileo / Natura Musical), segundo álbum em carreira solo e um complemento direto ao material originalmente testado no artesanal Pearl (2013).

Da voz embriagada, lenta e arrastada, o estímulo para um mundo de histórias tão particulares e nostálgicas, quanto íntimas de qualquer ouvinte. Um contínuo olhar para o passado, conceito evidente logo na inaugural Colégio (“Toca / O sinal barulhento da escola / Onde dois sinos dobram“), mas que a todo instante dialoga com o presente (“Ó meu pai, se tu existes / Manda a tua força, a gente aqui precisa“) e, ao mesmo tempo, aponta para o futuro, experiência reforçada em Passagem, composição que usa de trechos do curta-documentário de mesmo nome dirigido pelo próprio cantor em 2015 (“Se eu morresse amanhã, talvez eu morresse tranquilo“).

Convite a desvendar a alma de Rubel, Casas, assim como o trabalho que o antecede, é um registro guiado em essência pelas emoções. Trata-se de uma profunda reflexão sobre tudo aquilo que o músico carioca viveu nos últimos anos “de alegria, de tristeza, de descoberta, de certeza e incerteza, de amores, amizades, trabalhos, explosões, transformar em som e espalhar pelo mundo“, como sintetiza no texto de apresentação do trabalho. Um misto de amargura, sorriso, recolhimento e libertação, cuidado evidente até o último verso de Santana.

A principal diferença em relação ao trabalho entregue há cinco anos está na forma como Casas ecoa de maneira grandiosa mesmo no completo minimalismo de seus atos. Entre orquestrações sutis, costuras eletrônicas que lembram Frank Ocean e passagens breves pelo samba-rock-soul de Jorge Ben Jor, Brisolla e o parceiro de produção, o músico Martin Scian, estabelecem uma narrativa poética/instrumental que garante consistência ao disco. Perceba como cada composição parece trabalhada em comunhão com a faixa seguinte, como pinceladas eletroacústicas dentro de uma obra em constante desenvolvimento, imensa, ainda que diminuta em seus sussurros e vozes tímidas.

Um romance torto e metafórico em Pinguim (“A mente forte de um jedi / A cuca fresca de um pinguim / Os olhos virgens de criança / E a flor de uma mulher … Eu vou passar / Cê vai passar também / Vamo passar porque passando / Vai passar, meu bem“), o canto sobre cantar na acústica Casquinha (“Deixa / Que o canto saia ruim / Desde que venha do coração“), o romantismo confesso em Partilhar (“Se for preciso, eu pego um barco, eu remo / Por seis meses, como peixe pra te ver … Eu quero partilhar / A vida boa com você”). Em um intervalo de quase 50 minutos, Brisolla faz dos próprios sentimentos o ponto de conexão com o ouvinte, detalhando um mundo de histórias, medos e recortes sentimentais de um passado ainda recente.

Interessante notar que mesmo quando flerta com o Hip-Hop, como em Chiste, encontro musical com o requisitado Rincon Sapiência, Rubel consegue se esquivar de possíveis exageros e tropeços de outros projetos do gênero. Exemplo disso está na força referencial e poética de Mantra, possivelmente uma das melhores criações do disco. Entre batidas e temas percussivos que abraçam a música negra, o cantor se distancia de qualquer protagonismo, abrindo passagem para o coro de vozes das Meninas da Serrinha, o sample de Tim Maia (“Pergunte a um gorila em que ano nós estamos / Nós estamos aí, cara“), citações a Gilberto Gil — nos trechos de Aqui e Agora, do álbum Refavela (1977) —, além, claro, da rima esperançosa e forte do paulistano Emicida, de fato, personagem central da canção.

Produto do nítido refinamento criativo de Brisolla, Casas não apenas amplia o universo que vem sendo detalhado pelo cantor e compositor desde o primeiro álbum de estúdio, como surpreende e cresce para além de qualquer previsão. Se antes Quando Bate Aquela Saudade parecia o ápice de uma obra pontuada instantes de profunda sensibilidade e romantismo, com o presente álbum, cada composição se transforma em um objeto de merecido destaque. Canções que se espalham sem pressa, vagarosas, servindo de passagem para um universo próprio do cantor, como um mágico refúgio que convida o ouvinte a ser habitado.

 

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.