Resenha: “Castelos & Ruinas”, BK

/ Por: Cleber Facchi 21/10/2016

Artista: BK
Gênero: Hip-Hop, Rap, Alternativo
Acesse: https://www.facebook.com/bkttlapa/

 

Batidas secas se espalham sem pressa em cima do uma base acinzentada, densa. Samples empoeirados se perdem ao fundo de cada composição, como se antigos discos de vinil dessem voltas em torno de uma sequência esquizofrênica de vozes e melodias. Claustrofóbicas rimas sujas detalham o cotidiano de uma mente sufocada pelo caos de qualquer centro urbano. Personagens, confissões e melancólicas histórias de superação dançam uma valsa lenta, torta, levemente descompassada.

Em Castelos & Ruinas (2016, Piramide Perdida), primeiro registro em carreira solo do carioca Abebe Bikala, sonhos, desilusões, delírios e tormentos pessoais servem de estímulo para a poesia intimista produzida pelo rapper. Uma clara extensão do mesmo som atormentado que o artista vem desenvolvendo como integrante do coletivo Nectar Gang, porém, mergulhado em um universo de temas e referências ainda mais complexas, pessoais, resultando em um trabalho essencialmente sombrio.

Livre da MPB-Rap e incontáveis colaborações que alimentam grande parte do Hip-Hop brasileiro — principalmente a cena de São Paulo —, BK faz do registro uma obra enxuta, quase minimalista. Produzido em sua maioria por El Lif Beatz e JXNVS, o álbum de 11 faixas cresce em meio a beats contidos e bases essencialmente soturnas, sufocantes, como um diálogo (in)voluntário do rapper com o mesmo material produzido por Earl Sweatshirt, Vince Staples e outros nomes do presente cenário norte-americano.

Personagem central da própria obra, BK encontra em cada composição um espaço para desenvolver pequenas reflexões existencialistas. “Quando criança eu sonhava em crescer e ter todo o melhor dessa vida / Hoje sou um homem crescido, e a criança em mim ainda é viva”, pontua em Quadros, uma delicada parceria com Luccas Carlos e a cantora Ashira Wolf, um das poucas do trabalho, em que o rapper promove uma análise nostálgica sobre o próprio crescimento, esbarrando em conflitos típicos de qualquer jovem adulto.

Em Caminhos, sexta composição do disco, um jogo de rimas marcadas pela dualidade — “Trago amor trago a paz, tragos milagres e júbilo / Eu sou o equilíbrio, eu mato, roubo e destruo”. Faixa de abertura do álbum, Sigo na Sombra revela uma coleção de versos angustiados, ponto de partida para o restante da obra – “Passando por provações mesmo sem ser bom aluno / E foda-se o mundo, foda-se quem manda, foda-se meus inimigos / Meus estoque de foda-se é infinito”. Sobram ainda instantes de maior leveza e pequenas reflexões sobre relacionamentos, conceito explícito em Amores, Vícios e Obsessões – “Ela me balança tipo o mar / Se sumir vou sentir falta, ela é tipo o ar”.

Dono de uma poesia solitária e particular, BK acaba encontrando nesse melancólico isolamento uma poderosa (e talvez involuntária) ferramenta de aproximação para o público. São versos atormentados que dialogam com o que há de mais comum e consequentemente sufocante na vida de qualquer indivíduo. Composições que discutem tédio, depressão e ansiedade de forma contida, detalhista, como um curioso exercício de descoberta pessoal.

 

Castelos & Ruinas (2016, Piramide Perdida)

Nota: 8.8
Para quem gosta de: Nectar Gang, Earl Sweatshirt e Akira Presidente
Ouça: Quadros, Amores, Vícios e Obsessões e Sigo Na Sombra

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.