Resenha: “Outra Esfera”, Tássia Reis

/ Por: Cleber Facchi 29/09/2016

Artista: Tássia Reis
Gênero: Hip-Hop, Soul, R&B
Acesse: https://soundcloud.com/t-ssia-reis

 

Confundindo Sábios (2013) de Rashid ou Autorretrato de Nego E (2014), Quixote (2015) de Fino du Rap ou mesmo o recente Remonta (2016) do coletivo Liniker e os Caramelows. Se existe algum grande álbum brasileiro de Hip-Hop/Soul lançado nos últimos anos, basta um ouvido atento para perceber a delicada voz de Tássia Reis entre as composições. Um canto essencialmente doce, mas que se transforma em poesia política e versos marcados pelo empoderamento feminino dentro do novo registro de inéditas da cantora: Outra Esfera (2016, Independente).

A revolução será crespa / E não na TV / A revolução será crespa / Doa a quem doer”, rima em Ouça-Me, música que nasce como uma espécie de síntese do material produzido pela artista durante toda a obra. Versos que escapam do universo intimista de Reis (“Eu tentei falar baixinho, mas ninguém me ouviu”), dialogam com a questão racial (“Meu rap é crespo! Melanina nesse rolê”) e ainda reforçam o peso da cantora como um dos principais nomes da nossa música (“Se não me dão valor, cês vão pagar muito caro pra ver”).

Em Da Lama/Afrontamento, quinta faixa do disco, o peso político e social das rimas. “É revoltante e alarmante / Como eu me sinto impotente / E ainda me acho importante / Eu só quero ser decente, ser relevante”, explode Reis, abrindo espaço para a precisa interferência da convidada Stefanie MC – “Vejo pedras preciosas no meio do lamaçal / Muita gente conformada com o serviço braçal / Só conseguem se enxergar na posição de serviçal / Sendo pau mandado de um ser humano boçal”. Um jogo de rimas que atravessam diferentes aspectos, histórias e personagens da periferia.

Pontuado por pequenos respiros, o álbum ainda cria espaço para expressão do lado mais sonhador de Reis. “Tão solta quanto o vento indica / Voando por onde se quer e vai querer / Ninguém manda na tua vida / Ela criou um jeito novo de viver”, canta em Desapegada, música que discute sentimentos, empoderamento e a libertação da mulher de forma sutil, por vezes metafórica. Um estímulo para a ambientação pop de Semana Vem, faixa embalada pelo reggae e uma curiosa interpretação da artista sobre a temática dos relacionamentos abusivos.

Sexta composição do disco, Se Avexe Não mostra a força dos sentimentos dentro do trabalho da cantora. Enquanto as batidas, melodias e base da canção atravessam o R&B em direção ao samba, nos versos, Reis detalha com honestidade diferentes aspectos da própria dor. “Não que eu lhe deva dizer / Como é que se deve sofrer / Chore se quiser chorar / Corra se quiser correr Não, então chore / E se demore / Se preciso for, seja acalanto pro seu coração”, pontua.

Dividida entre a rima e o canto leve, Reis costura diferentes fórmulas e essências musicais no interior do trabalho. São arranjos e batidas que passam pelo Neo-Soul de Erykah Badu, mergulham em aspectos obscuros da obra de Nina Simone e ainda flertam com o mesmo afrofuturismo de uma série de artistas recentes, principalmente a dupla THEESatisfaction. Um amontoado de referências, cores, estímulos e sons que se moldam de forma a dialogar com as rimas e versos lançados pela artista durante toda a obra.

 

Outra Esfera (2016, Independente)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Lurdez da Luz, Rico Dalasam e Karol Conká
Ouça: Ouça-Me, Da Lama/Afrontamento e Se Avexe Não

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.