Resenha: Planeta Terra Festival 2013

/ Por: Cleber Facchi 11/11/2013

Por: Cleber Facchi
Fotos: Fernando Galassi

Travis

Quando criado, em 2007, o Planeta Terra Festival parecia seguir a trilha de outros grandes festivais de música que haviam no país naquele momento. De um lado a urgência explícita do Claro Que é Rock, do outro, a pluralidade de referências musicais que alimentavam o Tim Festival. Enquanto os dois eventos deixaram de existir em pouco tempo, o evento organizado pelo Terra Networks manteve a boa forma e a busca por uma composição cada vez mais particular em termos conceituais e de estrutura. Um resultado explícito na chegada da sétima edição do festival, que assume na própria construção uma atmosfera visível de recomeço.

Longe do cenário lúdico do Playcenter – palco que abrigou o evento entre 2009 e 2011 -, o festival, agora aos comandos da gigante Time For Fun, encontra na presente edição um misto visível de erro e acerto. Em se tratando de estrutura, atendimento ao público e pontualidade em relação às apresentações, o Planeta Terra Festival talvez seja um dos melhores evento de música do país, ou pelo menos, um dos mais bem organizados. Dentro da nova casa, o Campo de Marte, o público encontrou um cenário fortalecido por piso de concreto, banheiros acessíveis, transporte, além da fácil circulação entre os palcos – próximos e sem quaisquer bloqueios. É como se todos os erros da fraquíssima edição de 2012, no Jockey Club de São Paulo, fossem finalmente resolvidos.

fernando Galassi

A própria construção do Line-Up, pela primeira vez, contribuiu para a movimentação do público. Organizado por diferentes gêneros, o festival separou de forma dinâmica todos as faixas etárias e gostos dos espectadores. Afinal, quem estava ali para assistir Lana Del Rey dificilmente se interessaria por Beck, ou quem queria ver Travis talvez não se importasse em perder The Roots. A escolha garantiu uma plateia presente (e entusiasmado) nos dois palcos e durante todo o festival. Outro ponto positivo foram os shows mais extensos e um maior espaçamento entre as apresentações, proposta que contribuiu de forma clara para que possíveis correrias fossem evitadas. Até mesmo as inconvenientes filas de bebida e alimentação mantiveram um fluxo rápido. Nunca antes uma edição do Planeta Terra Festival foi tão tranquila quanto a presente.

Mesmo a tranquilidade e a organização precisa, explícita em grande parte do evento, não conseguiu afastar o festival de alguns problemas pertinentes.

  • O primeiro deles se relaciona com o acesso ao Campo de Marte. Por conta de uma falha na rede e a consequente falta de sistema, parte do público passou horas na fila até conseguir retirar o ingresso – a checagem improvisada era feita pelo telefone e levava de 10 a 20 minutos até ser concluída. A mesma falta de internet prejudicou o rendimento de grande parte da imprensa, que precisou improvisar para postar os conteúdos online – teve até quem mandou textos inteiros via SMS.

  • Já que estamos falando do relacionamento com a imprensa, talvez a atitude mais irracional da T4F tenha sido barrar o acesso ao Pit – a área em frente ao palco usada pelos fotógrafos para registrar as apresentações. Apenas grandes empresas de comunicação tiveram acesso ao espaço, deixando outros veículos “menores” de fora. É curioso esse tipo de atitude por parte dos organizadores, afinal, ao longo dos meses dezenas de blogs de todo país – os embaixadores – trabalharam ao lado da equipe do Terra, produzindo conteúdo e atividades específicas para o evento. Decisão da T4F ou falta de comunicação com a equipe do Terra, não importa, o erro foi evidente e precisa ser revisto.

  • Se por um lado a aproximação entre os palcos facilitou a circulação entre o público, por outro lado a mesma estrutura sustentou a interferência e os ruídos entre um show e outro. Tanto Clarice Falcão, que rivalizou com O Terno, como Lana Del Rey e seu “duelo” com Beck causaram desconforto ao público. Isso sem contar com outros problemas de som, como os vocais excessivamente altos nas primeiras músicas do Travis, ou os instrumentos demasiado baixos no começo do show d’O Terno.

Outro “problema” a ser resolvido diz respeito ao Line-Up do evento. Por mais que os organizadores tenham assumido a ideia de produzir um festival com um foco cada vez maior no “Indie Rock”, e não mais em uma celebração da música Indie – e suas possíveis variáveis -, tanto The Roots com seu cardápio rítmico, como Lana Del Rey com seu pop letárgico, provaram que a multiplicidade de gêneros ainda é o maior acerto do festival. Basta lembrar que desde a primeira edição, quando trouxe Lily Allen, Devo e The Rapture, que a base do Planeta Terra está na diversidade, e qualquer mudança em relação a isso expõe retrocesso.

Fernando Galassi

Com tantos festivais e shows isolados acontecendo por todo o país, resta saber quem são as grandes atrações da edição 2014 do evento – já podemos sonhar com ela?. Teria a T4F a coragem de experimentar com My Bloody Valentine, Portishead e Neutral Milk Hotel – bandas que seguem em concorridas turnês no exterior -, ou teremos o mesmo catálogo de artistas que já passaram pelo Brasil? Precisam de grupos que tenham a cara do festival? Que tal os sempre requisitados Wilco, Death Cab For Cutie e Belle and Sebastian? Isso sem contar em nomes como CHVRCHES, Haim, Grimes, Frank Ocean e Deerhunter que bem poderiam consolidar o Line-Up de 2014. Possibilidades não faltam.

Revelando um desequilíbrio típico de quem acaba de se mudar, a sétima edição do festival se divide entre a instabilidade do evento de 2012, e os acertos que marcaram as apresentações de 2010 e 2011. Em termos de estrutura, mais do que investir em possíveis brinquedos – um tobogã inflável, isso é sério? -, a instalação de  uma nova área Lounge seria uma eficiente solução. O próprio gramado verde, na parte oposta aos palcos, poderia ter sido melhor aproveitado com a instalação de pequenas tendas ou vários guarda-sóis – uma solução para o público que busca fugir do calor. De um jeito ou de outro, o Planeta Terra Festival acaba de começar – mais uma vez -, resta saber quais serão os rumos assumidos pela direção do evento para os próximos anos.

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O Terno
(Palco Terra, 15h00)

O Terno

Aos poucos a banda paulistana O Terno se encaminha para um território isolado dentro do rock nacional. Donos de um registro atento e recheado por boas composições, 66, o trio composto por Tim Bernardes, Guilherme d’Almeida e Victor Chaves fez da bem executada passagem pelo Palco Terra uma prova detalhada da própria evolução. Com uma sequência de faixas distribuídas de forma ascendente, a banda trouxe de volta toda a intensidade do rock sessentista, esbanjando em delírios tropicalistas e ruídos típicos do garage rock um sustento para os versos de apelo melódico. Com um público participativo que, mesmo sob o Sol forte, ocupou boa parte do espaço do Palco Terra, a tríade fez com que músicas como Morto e as versões para O Trem Azul e Canto de Osanha ganhassem um toque visível de grandeza, antecipando o que deve caracterizar o próximo registro em estúdio do grupo.

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Clarice Falcão
(Palco Smirnoff, 15h15)

Clarice Falcão

É difícil não se encantar pelo trabalho de Clarice Falcão. Por mais que as rimas pueris e o esforço simples dos instrumentos assumam toda a fragilidade em torno do projeto, bastaram os versos de Eu Esqueci Você, faixa de abertura do álbum Monomania e primeira canção do show, para que a pernambucana dominasse a plateia. Carregado de pequenos gracejos (e boa parte do espectadores que estava ali para assistir Lana Del Rey), Falcão e o time de músicos que a acompanharam trouxeram um espetáculo enxuto, mas não menos atrativo. Com direito a piadinhas e a presença do marido/parceiro Gregório Duvivier (em Essa É Pra Você), a cantora soube como se aproveitar do próprio público, dividindo instantes de diálogos e canções que pareciam fluir sem qualquer dificuldade, na ponta da língua da plateia.

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BNegão E Os Seletores de Frequências
(Palco Terra, 16h15)

Quem já assistiu a qualquer apresentação de BNegão e os Seletores de Frequências sabe muito bem o que é ser atingido em todas as direções – e não ter a mínima chance de fuga. Durante a passagem da banda pelo Palco Terra não foi diferente. Com um catálogo de faixas divididas entre os essenciais Enxugando o Gelo (2003) e Sintoniza Lá (2012), o grupo utilizou o Sol forte como um complemento para as faixas carregadas de groove, distorções e as rimas voláteis do vocalista. O show, que começou 15 minutos antes do previsto, trouxe no clima ensolarado de Funk Até o Caroço a abertura para aquilo que Alteração (Éa!), Essa é Pra Tocar No Baile e demais faixas do repertório sustentaram durante todo o show. Recheado por diversas menções ao trabalho de Sabotage, a banda aproveitou do espaço para resgatar a intensa Dorobô, parceria entre BNegão e o falecido rapper ainda na década passada.

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Palma Violets
(Palco Smirnoff, 16h30)

Como transformar um disco morno em um espetáculo marcado de forma explícita pela intensidade? Simples, pergunte ao Palma Violets. Sustentado pelo repertório inteiro de 180, álbum de estreia do grupo britânico, a apresentação arrastou o pequeno público para um turbulento choque de guitarras, gritos e batidas que evocaram toda a boa forma de grupos como The Libertines e The Strokes na última década. Ainda que a relação de coerência em meio ao caos seja o grande destaque da performance, é do baixista e um dos vocalistas, Alexander “Chilli” Jesson, todo o crédito da turbulenta apresentação. Inquieto, o músico jogou água na plateia, “duelou” contra a bateria do parceiro William Doyle e ainda manteve nos berros o teor incendiário durante toda a construção do espetáculo. Possivelmente, a mais grata surpresa de todo o evento.

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Travis
(Palco Terra, 17h30)

Nem o Sol forte serviu para aquecer o pop rock frio dos britânicos do Travis. Com um repertório que visitou de forma previsível grande parte da discografia da banda – indo do debut Good Feeling (1997), ao recente Where You Stand (2013) -, a apresentação do grupo escocês acabou marcada por composições clássicas, mas que se perderam de forma visível na estabilidade monotemática do coletivo. Incapaz de escapar da mesma atmosfera tímida de estúdio, a apresentação trouxe na carência declarada dos fãs um estímulo involuntário para a performance, afinal, essa foi a primeira passagem do grupo pelo Brasil desde o nascimento na década de 1990. Linear, o show comandado por um alegre Fran Healy passeou por velhas conhecidas como Flowers in the Window, Why Does It Always Rain On Me? e Sing, faixas que assim como nos discos, pareciam convencer apenas os fãs da banda.

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The Roots
(Palco Smirnoff, 18h00)

Fernando Galassi

Posicionado entre a morosidade do Travis e o clima letárgico que acompanhou o show de Lana Del Rey, o The Roots não apenas trouxe energia para o fim de tarde, como assumiu uma das melhores apresentações de todo o evento. Sem qualquer ordem aparente ou possível senso de previsibilidade, o grupo norte-americano atravessou décadas de referências – próprias ou compartilhadas – em um espetáculo que mais parecia uma imensa Jam Session. Mais de uma hora de duração espalhando beats e rimas típicas do Hip-Hop em estágio de celebração – algo explícito no bom humor dos integrantes. Sem se ater ao próprio repertório, a banda, que também assume a composição musical do programa Late Night with Jimmy Fallon, esbanjou versatilidade em uma sequência de clássicos antigos e recentes. Sweet Child O’ Mine, do Guns n’ Roses, Somebody That I Used To Know, de Gotye, e até Wrecking Ball, de Miley Cyrus, acabaram encaixadas no bloco imenso de interferências assinadas pela banda. Com direito a coreografias e brincadeiras entre os músicos, a apresentação fez do público um instrumento orquestrado sem qualquer durante todo o espetáculo.

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Lana Del Rey
(Palco Terra, 19h30)

O espanto visível, as mãos trêmulas e a voz inexata marcam o encontro de Lana Del Rey com o público no Palco Terra. “Vocês estão brincando comigo?”, questionou a cantora ao se deparar com a massa de meninos e meninas com arranjos florais e que cantavam as músicas com euforia. Cercada durante todo o espetáculo pelo fanatismo, a artista fez do começo de noite uma abertura natural para que faixas como Blue Jeans, National Anthem e até a versão de Knockin’ On Heaven’s Door, de Bob Dylan, fossem trabalhadas em um misto de sensualidade e frieza. Imersa em um ambiente tropical, caracterizado pelo uso de palmeiras – uma clara referência ao EP Paradise (2012) -, a cantora aos poucos substituiu o espanto por um manuseio cuidadoso do palco. Tendo o público à seu favor, Del Rey conseguiu falsear a própria incapacidade vocal, que mesmo maquiada por uma série de efeitos e ecos, balançou em diversos momentos da apresentação. Todavia, nem tropeços, nem os ruídos instáveis da guitarra de Beck (que ecoavam forte no palco ao lado), conseguiram distanciar o público do feitiço lançado pela jovem diva pop.

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Beck
(Palco Smirnoff, 20h00)

Fernando Galassi

Se algum dia Beck Hansen lançar uma coletânea com suas melhores músicas, então que seja com as faixas apresentadas na passagem pelo Planeta Terra. Com mais de duas décadas de carreira, o músico norte-americano atravessou os anos 1990 e 2000 em uma fusão atenta entre Rock, Soul, Rap e eletrônica. Dos vocais em coro, que acompanharam o músico em Devils Haircut, aos detalhes nostálgicos de Gamma Ray e  E-Pro, cada faixa apresentada pelo californiano arremessou a plateia para todas as direções. Quem fugiu do show de Lana Del Rey encontrou um artista bem humorado, capaz de surpreender com o manuseio das guitarras e sintetizadores que fluíram com liberdade durante toda a performance. Apaixonado pela música brasileira, Beck não poupou seus agradecimentos ao trabalho de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Luiz Gonzaga, transformando a curtinha Tropicalia em uma rápida homenagem aos sons nacionais. Até um bem aproveitado cover de Billie Jean de Michael Jackson apareceu no meio do show. Com direito a clássicos antigos e recentes do próprio repertório, caso de Black Tamborine e Girl, Beck garantiu ao público um pouco a mais do que quem esperava apenas pelos versos pegajosos de Loser.

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Blur
(Palco Terra, 21h30)

Ainda que tivesse subido ao palco apenas para tocar o hit Girls & Boys, o êxtase da curta performance do Blur seria o suficiente para matar a saudade do grupo inglês. Há 14 anos sem se apresentar no Brasil –  o último show da banda foi em 1999 -, e dando sequência a série de apresentações que se estende desde o regresso, em 2008, o quarteto inglês não apenas satisfez a ensandecida plateia, como foi além. Em mais de uma hora de espetáculo, parte expressiva das principais composições do grupo transportaram o publico diretamente para os anos 1990, visitando desde a obra-prima Parklife (1994), até os bem sucedidos 13 (1999) e Think Tank (2003). Foi como se as guitarras de Graham Coxon e os gritos de Damon Albarn arrastassem o público para o mesmo teor de intensidade que paira sob No Distance Left to Run, documentário de 2010 que marca o retorno do quarteto inglês aos palcos.

Da explosão melódica em Coffee & TV, passando pelas guitarras sujas em Beetlebum até a sobriedade de The Universal, cada instante da apresentação reforçou a presença de uma banda atenta ao próprio repertório. Sobrou até espaço para que faixas menos conhecidas do grande público, como Trimm Trabb e This Is a Low, fossem ambientadas em um detalhismo nítido. Resultado do ativo coro de vozes e naipe de metais que acompanhou o quarteto em grande parte da performance. Com um sentimento de louvor que durou todo o espetáculo – e que lembrou muito a passagem do Radiohead, em 2009 -, faixas como Tender e Song 2 se estenderam para além da própria duração, acompanhando o público, que mesmo ao fim do show, entoava com euforia as músicas do grupo inglês.

Planeta Terra Festival

Campo de Marte
São Paulo, SP
Nove de Novembro de 2013

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.