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Críticas

Negra Li

: "Raízes"

Ano: 2018

Selo: White Monkey Recordings

Gênero: R&B, Hip-Hop, Pop

Para quem gosta de: Flora Matos, IZA e Tassia Reis

Ouça: Raízes, Venha e Mina

8.3
8.3

Resenha: “Raízes”, Negra Li

Ano: 2018

Selo: White Monkey Recordings

Gênero: R&B, Hip-Hop, Pop

Para quem gosta de: Flora Matos, IZA e Tassia Reis

Ouça: Raízes, Venha e Mina

/ Por: Cleber Facchi 29/11/2018

Conforto é uma palavra que não se aplica ao trabalho de Negra Li. Em mais de duas décadas de carreira, sobram diálogos da ex-integrante do RZO com diferentes campos da música. Do samba ao soul, passando pela fina relação com o pop e incontáveis encontros com os mais variados representantes da cena brasileira, como Martinho da Vila, Sabotage e Pitty, nítido é o esforço da artista paulistana em desbravar e pavimentar o próprio caminho, direcionamento que se reflete com naturalidade nas canções do terceiro e mais recente álbum de estúdio em carreira solo, Raízes (2018, White Monkey Recordings).

Como indicado logo na inaugural Venha, um criativo exercício de apresentação em que rima sobre pequenas conquistas pessoais (“Eu vim lá das quebradas e tenho aquela marra das minas de favela / Misturo a malícia das ruas com a elegância da passarela“), cada fragmento do registro discute passado e presente de forma autobiográfica, sempre minuciosa. Versos que se projetam como um olhar curioso sobre a carreira, principais conflitos e a essência política da rapper paulistana.

Eu venci o preconceito / E fiz de um jeito que vários se inspiram em mim / Com muita resistência / Virei referência pra outros que vêm de onde eu vim / Da Brasilândia pro Brasil inteiro / Hoje sirvo de modelo / É preciso respeitar minha pele e meu apelo“, cresce na bem-sucedida faixa-título do disco. Um provocativo debate sobre racismo e empoderamento negro em que resgata a essência dos antigos trabalhos da artista no RZO. Versos que se entrelaçam de forma consciente, decidida, estímulo para a rápida interferência de Rael e do refrão forte: “Minha dor é de cativeiro / E a sua é de cotovelo“.

Em Somos Iguais, nona criação do disco, o mesmo cuidado na composição dos versos. Concebida em parceria com Cynthia Luz, a faixa vai da conquista do povo preto ao assassinato da vereadora Marielle Franco em uma criativa sobreposição de vozes. “Reza a lenda, reza a lenda / Temos direitos, somos aceitos / Somos iguais … Mulher tem espaço, gay respeitado / E os pretos não sofrem questões raciais“, rima enquanto as batidas assinadas por Gustah, Duani, Caio Paiva e Pedro Lotto se espalham sem pressa, correndo ao fundo da canção.

No restante da obra, Li amplia de forma inteligente o diálogo com a música pop, porém, preservando o tom sóbrio que inaugura o trabalho. Exemplo disso escoa com naturalidade em Mina, terceira faixa do disco. Trata-se de uma interpretação particular de Put Your Records On, da britânica Corinne Bailey Rae. “Mina, bota o seu melhor batom / Escolha o seu melhor som / Joga esse cabelo pro ar e deixa estar … Mina, não deixe ninguém te dizer / O que você pode fazer / Você que sabe o seu lugar e deixa estar“, canta. Um respiro leve que antecede a construção de faixas como Mãos Pequenas, uma delicada homenagem ao filho Noah, nascido no último ano (“Te amo desde antes de te conhecer / E até contei os dias pra poder te ver / Eu precisava de um motivo a mais pra viver / E foi por isso que Deus me mandou você“).

Pontuado pela breve interferência de Seu Jorge, na romântica Eclipse Lunar, e Gaab, em Uma Dança, possivelmente a canção mais acessível do trabalho, Raízes joga com a experiência do ouvinte durante toda sua execução. Instantes em que Negra Li vai da rima política ao pop descompromissado sem necessariamente fazer disso o estímulo para uma obra confusa, menor. Pelo contrário, poucas vezes antes um registro entregue pela artista paulistana pareceu tão completo, reflexo da profunda maturidade e refinamento estético que orienta cada elemento do álbum.

 

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.