Viagem à terra dos ouvidos mais felizes do múm-do

/ Por: Cleber Facchi 15/06/2011

Por: João Everton (@Joao_Everton)

Um moço adulto em desesperança com a vida olha para o mar e procura se encontrar. Uma criança meiga se aproxima e lhe entrega um balão. O homem começa a observar o balancear ao vento do seu novo brinquedo, e então a garotinha o espeta propositadamente. Um estalo na vida deste moço, um sorriso de culpa na face da criança.

Essa criança é o múm (assim mesmo, em letras minúsculas), um grupo islandês de post rock que iniciou sua carreira em 2001 com um disco chamado Yesterday Was Dramatic, Today Is Ok. Aclamado em grande parte das publicações especializadas, como Pitchfork e All Music, sem pretensões e cheio de detalhes, o álbum fixou a banda no terreno instrumental da terra do gelo. Ao lado de parceiros como o Sigur Rós e a cantora Björk, a delicada banda vem destacando seu país e descrevendo as sensações daquele lugar aparentemente frio.No primeiro disco, os efeitos sonoros dominavam a harmonia junto das cordas e dos instrumentos não-convencionais do grupo (trompete, clarinete, guitarras, bateria, gaita, escaleta, órgão, violino, viola, acordeão etc). As batidas parecem estar se desmontando e se remodelando na imaginação daqueles que permitem navegar nas belas faixas do debut.

Em 2002 a idéia de “banda” começou a ficar mais clara, quando uma moça de sotaque islandês começa a proferir as primeiras palavras do múm, sempre em inglês. A garota que dá o ar de sua fina graça em nossos ouvidos se chama Kristín Anna Valtýsdóttir, e sua entrada na banda (junto de sua irmã gêmea  Gyða Valtýsdóttir) adicionou aos fundadores do grupo, Gunnar Örn Tynes e Örvar Þóreyjarson SmárasonNa, o que faltava para que o Múm conquistasse de vez o cenário musical da época. Valtýsdóttir, que hoje é casada com o músico Avey Tare do Animal Collective (com quem lançou em 2007 um disco chamado Pullhair Rubeye) esteve com o múm somente em seus três primeiros discos, tempo mais do que suficiente para trazer marcas essenciais ao projeto.

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Uma das principais características da banda vem da explícita intenção de subjetividade dentro das composições, algo que abrange o próprio nome do projeto, “múm”, escolhido para não significar absolutamente nada. Essa mesma subjetividade se encontra dentro das etéreas criações dos islandeses, como a belíssima Green Grass Of Tunnel retirada do segundo álbum Finally We Are No One (2002). No mesmo disco, a predominância ainda é dada por músicas instrumentais, o que nos concede maior liberdade de viajar em cada partícula do trabalho. Canções aos moldes de We Have A Map Of The Piano que trazem consigo a tristeza montada num acordeão, condensam a alma do delicado registro, bem recepcionado pela crítica e pelo pequeno público da banda que passava a se formar.

Dois anos mais tarde o grupo volta com o terceiro disco, Summer Make Good (2004). A atmosfera do LP é ainda mais densa e as faixas possuem um teor de melancolia acima da conta. Não é muito fácil ouvir faixas como The Ghosts You Draw On My Bed e Will The Summer Make Good For All Our Sins, sem se sentir para baixo, indeciso entre pular da ponte ou continuar observando a paisagem fria criada pela banda, estando ciente de que além daquilo não há mais nada. Alguns instrumentos são adicionados ao disco, como a harpa, o xilofone, o órgão, ao mesmo tempo em que efeitos computadorizados ainda prevalecem no mesmo espaço. Os destaques desta obra vão para as faixas Nightly Cares, Oh How The Boat Drifts (uma das mais depressivas), The Islands Of Children’s Child e Abandoned Ship Bells, além, claro, das duas citadas anteriormente.

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Embora mantenha o mesmo resultado impecável dos trabalhos que o precedem, o disco não foi bem aceito pela imprensa especializada. A mudança de foco ou simplesmente a adição de novos instrumentos e vocais mais soturnos descontentaram aqueles que analisaram o disco. Mas o grupo não optou por voltar atrás, seguindo em frente na experimentação, adicionando suas orquestrações, aliadas com as novas vozes que estariam por vir.

Em 2007 a banda fez nascer Go Go Smear The Poison Ivy, primeiro disco sem a vocalista Kristin Anna. O álbum (quarto na carreira do múm) ainda hoje é considerado como o mais distante daquilo que fora proposto nos iniciais lançamentos do grupo. Se no primeiro disco a criança (ou o múm) resolve estourar um balão e causar um estalo na vida do homem (os ouvintes), em seu quarto disco a banda resolve explodir todos os balões que encontra, a fim de causar o máximo possível de estalos e mudanças. É assim que segue o disco, feliz e explodindo sensações. Logo de início temos o encontro de tudo que há de melhor nesta nova fase, com a faixa de abertura Blessed Brambles, levantando tudo que havia despencado no álbum anterior. A música prepara ainda nossos ouvidos para A Little Bit Sometimes, segunda composição do disco e que dá sequência a tudo que há de novo e interessante neste projeto. Faixas como They Made Frogs Smoke ‘Til They Exploded deixam a entender que agora tudo soa como uma grande brincadeira, estendendo essa visão até para os clipes que brotam do álbum.

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Embora These Eyes Are Berries e Marmalade Fires (além das já mencionadas composições) transpareçam com propriedade a temática ressaltada dentro deste quarto disco é através de Dancing Behind My Eyelids que o grupo islandês alcança o melhor desempenho de toda sua detalhada discografia. A grandiosa canção contém todos os sons que fizeram do Múm um grupo de destaque dentro do grande panteão dos representantes do Post-Rock, indo para muito além de qualquer limite que a banda já tivesse alcançado.

Passados mais dois anos e o grupo lançaria o brando Sing Along To Songs You Don’t Know (2009), quinto e menos revolucionário trabalho do múm. As faixas permanecem tranquilas, a harmonia continua alegre e as vozes fazem coros magníficos. Os mesmos sons, as mesmas perspectivas e uma onda de nostalgia se abate sobre o registro, o que desponta um toque de repetição. Por mais que não haja uma grande mudança em relação as demais trabalhos, tudo permanece primoroso e merece os devidos destaques. Desde a caótica The Smell Of Today Is Sweet Like Breastmilk In The Wind (dando continuidade aos nomes bizarros que parecem vir de crianças aspirantes a artistas), passando pelas tristes If I Were A Fish, Iluminated, Ladies Of The New Century ou ainda The Last Shapes Of Never, tudo parece organizado de maneira brilhante, como se nos desejasse uma boa viagem à terra dos ouvidos mais felizes do múm-do.

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Discografia

 

Yesterday Was Dramatic – Today Is OK (2000)

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Finally We Are No One (2002)

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Summer Make Good (2004)

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Go Go Smear the Poison Ivy (2007)

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Sing Along to Songs You Don’t Know (2009)

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.